A propósito do Natal .


O Natal em Trás-os-Montes é diferente de qualquer outro Natal no mundo. Os caminhos
tortuosos da serra mantiveram as comunidades a uma distância segura e permitiram a
sobrevivência de antigos costumes da região.

É o caso da Festa dos Rapazes , que ocorre em todo o Nordeste Transmontano na altura do
Natal, como memória viva de ritos ancestrais, apenas com algumas variantes de terra em
terra.

Durante dois dois dias, os rapazes solteiros comandam a vida na aldeia. A festa, com origem
nos rituais pagãos do solstício de Inverno, celebrava o início de um novo ciclo agrícola, com os dias que começam a ficar mais longos, e, para os rapazes significa significa também a
passagem para a idade adulta.

A festa começa logo logo de madrugada, com o gaiteiro que acorda toda a aldeia com a sua gaita-de-foles.
Os mordomos, responsáveis pela organização da festa, percorrem as ruas visitando todos os
vizinhos. Seguem-se os "caretos", criaturas estranhas vestindo trajes bizarros, com chocalhos e fitas penduradas, e exibindo máscaras diabólicas. Dançam, pulam, rodopiam e fazem grande algazarra.
Hoje tudo lhes é permitido e, por detrás da máscara que lhes protege a identidade, cometem os maiores impropérios, assustam as criancinhas e atormentam todos os presentes. Só são carinhosos com os mais velhos.
Sem qualquer cerimónia, invadem as casas onde roubam chouriços, morcelas, carnes de fumeiro, figos secos e pão para juntar à festa.
Reunidas todas as iguarias, passa-se ao banquete, numa grande mesa posta no adro da igreja.
No Minho, o bacalhau é rei à mesa da consoada, sempre acompanhado de polvo cozido, batatas e couves galegas, e regado com o melhor azeite caseiro para molhar o pão.
Pela noite dentro, para aconchegar o estômago, serve-se o tradicional vinho quente.
Normalmente preparado com a boa vontade de um dos homens da casa, é apenas verde tinto, fervido com mel e pau de canela, que se bebe quente em chávenas de chá.
Na manhã seguinte, as crianças acordam ao nascer do dia, sem conseguir conter a excitação, e correm para a lareira. No sapatinho estão os presentes deixados pelo Menino Jesus, e rasgam sofregamente os papeis dos embrulhos, na ânsia do brinquedo novo.
O presépio quer levou dias a fazer, tem um lugar de destaque na casa e é visitado por todos que por ali passam. Começa a ida ao monte.
Traz-se o musgo às postas, pinhas e pedrinhas e um pinheirinho. Constroem-se verdadeiras aldeias em miniatura, povoadas com figurinhas que se dirigem para a gruta do Menino Jesus, situada no ponto mais alto.
O pinheiro que hoje se enfeita com vistosas bolas de Natal, era coberto de chocolates, amarrados num cordel, compradas na venda e saídas da fábrica A Vienense, que ainda existe. Para muitos, esses doces eram as prendas a que tinham direito.
Ao almoço come-se a roupa velha, feita com os restos da consoada e passa-se o dia em família, fazendo os preparativos para o jantar.
As mulheres da casa estendem na mesa a toalha de linho bordada, herdada da avó e que só sai da arca em ocasiões especiais, a melhor loiça, os copos de "ver a Deus" e os castiçais. A mesa vai ganhando vida com as decoraçes, fruto da criatividade que a ocasião desperta.
Espalham-se amêndoas, avelãs, figos, passas e enfeita-se com ramos de azevinho, fitas coloridas ou papeis brilhantes, porque é dia da festa mais importante do ano.
obrigatória no jantar de Natal, assado e, em algumas casas, recheado com puré de castanhas. O peru, embora moda recente, em terras de Entre Douro e Minho, tornou-se presença
Segue-se um festim dos mais variados doces caseiros, claro, que enchem a mesa de cor e fazem brilhar os olhos de miúdos e graúdos.
Não há dieta que resista aos mexidos de leite ou de vinho, à aletria, às rabanadas em calda de açúcar ou com doce de ovos, ao arroz-doce, ao bolo-rei, ao pão-de-ló, ao leite-creme, ao doce de chila , nem aos bolinhos de jerimu ou de abóbora-menina. 
O presépio tradicional do Algarve nada tem a ver com o cenário da gruta de Belém a que o
resto do país chama presépio. A contrastar com este quadro de figurinhas elaborado ao
pormenor, o presépio "serrenho" apresenta-se simples e sóbrio, armado em escadaria, com o
menino Jesus em pé no alto.

Nas casas mais abastadas, os degraus são cobertos com toalhas de linho rendadas e bordadas
à mão,, mas também nas mais humildes se arma um altar modesto, sobre uma cómoda coberta
com uma toalha de renda branca, com o menino ao centro rodeado de searinhas, laranjas e
flores.

As searinhas são semeadas a 8 de Dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição, colocando
alguns grãos de trigo, milho, centeio ou alpista em pequenos pires de louça ou de barro. Mal
germinam, são cuidadosamente mantidas até ao Natal e usadas para decorar o presépio.

No dia de Reis, as searinhas são transplantadas, com votos de boas colheitas para o ano novo
que se aproxima, mas nunca dão espiga. Só se aproveitam as palhas que, segundo a crença
popular, depois de cozidas são remédio para todas as dores.

Além do presépio tradicional, os presépios de origem franciscana estão também muito
difundidos na região e dão lugar a diferentes encenações, fruto da imaginação de cada um.
Utilizando os materiais que a natureza oferece, o engenho popular cria presépios de cortiça.
Entre o dia de Natal e o dia de Reis, as pessoas vão de casa em casa entoando cantares frente
a cada presépio e levam consigo um balaio com o Menino Jesus, para as pessoas beijarem e
contribuírem com uma esmola.

Aqui, ninguém com mais de 30 anos se lembra de comer bacalhau no Natal. O bacalhau, cozido com batatas e couves, só ali chegou em tempos mais recentes, e, quando havia, era guisado ou com molho de salsa.
O que se come ao almoço no dia de Natal é galinha de cabidela com batas ou galinha cerejada,
acompanhada por fatias de pão caseiro, e carne de porco frita, com amêijoas e berbigão
abertos na chapa. O ensopado de galo também é um prato típico da quadra, tal como o
bacalhau guisado, o arroz cozido no caldo do guisado e o repolho.

Seguem-se os tradicionais doces fritos - as filhós, os pasteis de batata-doce ou azevias, as fatias douradas e os bolinhos.

" O roubo " !
Um dos rituais que perdura até aos nossos dias, principalmente em Trás-os-Montes, Alto Douro, Beira Alta, Beira Baixa e Nordeste Transmontano, são as "fogueiras do galo" ou "fogueiras do Menino", cuja tarefa do roubo ritual do madeiro fica a cargo dos rapazes.
O Roubo, Ritual do Natal...

O transporte conforme a tradição, continua a ser feito, em carro roubado ou utilizado sem autorização dos respectivos donos, puxados por animais enfeitados com papéis coloridos, num especifico rito sagrado.
Noutros casos, a lenha deve ser roubada dias antes do Natal, ou ao longo do ano, leiloada ou oferecida em promessa.
As fogueiras, ateadas ao entardecer da véspera de Natal, ardem até ao dia de Reis no adro das igrejas, segundo o povo, "para aquecer o Menino".
Ainda hoje em diversos lugares, as populações se juntam ao redor das fogueiras do Menino para cantar, danças e comer filhoses.
Um ritual a descobrir !!!